terça-feira, 1 de novembro de 2016

O dia em que deixei o amor entrar


No dia em que ele chegou, não teve hora marcada, nem mesmo um aviso prévio. Pra dizer a verdade, ele nem bateu ou pediu licença. Eu abri a porta e ele tava ali, esperando eu sair do meio pra ocupar espaço. Lembro de olhar pra ele e pensar "acho que se ficar bem ali no cantinho não vou nem reparar" e cheguei pro lado. Quando percebi tinha mala em tudo que é canto, junto com uma mobília toda e ele lá, esparramado no meio da sala.

Quando o amor chegou, não teve preparação nenhuma. Meu cabelo não tava arrumado, a unha não tava feita e eu não usava nem sequer uma roupa ou sapatos novos. Ele só olhou pra mim pedindo passagem, foi chegando e se acomodou ali, nem me olhou duas vezes. Penso que quando ele tem que chegar não se preocupa se o chão tá limpo ou sujo pra entrar. Ele vem e senta em qualquer lugar e já faz morada.

Depois que ele chegou, nada fica no lugar sem ele. Como um quarto de adolescente, tá tudo desarrumado a primeira vista, mas se outra pessoa tenta ajeitar, nada se acha mais e parece mais desorganizado do que antes. Quando é pra ele ficar a gente até tenta puxar ele pra fora a força, mas como criança birrenta, ele senta no chão e gruda no primeiro ponto fixo que consegue achar, não tendo surra que separe.

De vez em quando a gente tenta esquecer que ele tá ali. Olho pro outro lado e finjo que não tô vendo nada, mas quase nunca dá certo. Ele se disfarça de música e enche o peito de saudade, ou vira o cheiro que a memória não deixa esquecer. Se o caso é grave mesmo, ele se transforma em sonho e chega onde não se alcança.


 Ele chegou e virou a companhia do jantar e cinema e a mão que aperta de levinho no meio de um ataque de ansiedade dizendo "tô aqui". Se disfarça de amigo na mesa de bar com conversas infinitas e às vezes de ombro, quando o mundo parece pesado demais pra carregar e a gente precisa de uma ajudinha. De vez em quando ele vira inconveniente e a gente até pensa em mandar embora, mas ele logo dá um jeitinho de mostrar que sem ele ali não ia ter a menor graça. No dia em que deixei o amor entrar, ele chegou e foi ficando, até que fez morada pra nunca mais partir e eu nem quero que ele parta.

Thalyne Carneiro