No dia em que ele
chegou, não teve hora marcada, nem mesmo um aviso prévio. Pra dizer a verdade,
ele nem bateu ou pediu licença. Eu abri a porta e ele tava ali,
esperando eu sair do meio pra ocupar espaço. Lembro de olhar pra ele e pensar
"acho que se ficar bem ali no cantinho não vou nem reparar" e cheguei
pro lado. Quando percebi tinha mala em tudo que é canto, junto com uma mobília
toda e ele lá, esparramado no meio da sala.
Quando
o amor chegou, não teve preparação nenhuma. Meu cabelo não tava arrumado, a
unha não tava feita e eu não usava nem sequer uma roupa ou sapatos novos. Ele
só olhou pra mim pedindo passagem, foi chegando e se acomodou ali, nem me olhou
duas vezes. Penso que quando ele tem que chegar não se preocupa se o chão tá
limpo ou sujo pra entrar. Ele vem e senta em qualquer lugar e já faz morada.
Depois
que ele chegou, nada fica no lugar sem ele. Como um quarto de adolescente, tá tudo desarrumado a primeira vista, mas se outra pessoa tenta ajeitar, nada se
acha mais e parece mais desorganizado do que antes. Quando é pra ele ficar a
gente até tenta puxar ele pra fora a força, mas como criança birrenta, ele senta no
chão e gruda no primeiro ponto fixo que consegue achar, não tendo surra que
separe.
De
vez em quando a gente tenta esquecer que ele tá ali. Olho pro outro lado e finjo que não tô vendo nada, mas quase nunca dá certo. Ele se disfarça de
música e enche o peito de saudade, ou vira o cheiro que a memória não deixa
esquecer. Se o caso é grave mesmo, ele se transforma em sonho e chega onde não
se alcança.
Ele
chegou e virou a companhia do jantar e cinema e a mão que aperta de levinho no
meio de um ataque de ansiedade dizendo "tô aqui". Se disfarça de amigo
na mesa de bar com conversas infinitas e às vezes de ombro, quando o mundo
parece pesado demais pra carregar e a gente precisa de uma ajudinha. De vez em
quando ele vira inconveniente e a gente até pensa em mandar embora, mas ele
logo dá um jeitinho de mostrar que sem ele ali não ia ter a menor graça. No dia em que
deixei o amor entrar, ele chegou e foi ficando, até que fez morada pra nunca
mais partir e eu nem quero que ele parta.
Thalyne Carneiro