terça-feira, 18 de novembro de 2014

Navegar é preciso

Abro os olhos de manhã e a primeira coisa em que penso é em como ser sortuda por ter alguém assim como ele. Sorrio com alguma lembrança qualquer do dia anterior e nem consigo me lembrar de como era ficar triste logo de manhã. Não que não tenhamos problemas, mas é tão fácil resolver tudo, que ser feliz o tempo inteiro é um estado permanente de nós dois.


 Somos muito diferentes. Eu juro. Enquanto ele se preocupa com os indícios de que o Brasil está indo pro buraco mais uma vez, eu procuro saber quanto foi o jogo de ontem do São Paulo. Ele quer ler a mais nova biografia do Renato Russo e eu procurando um novo livro das minhas inúmeras séries para comprar. Ele, galo doido, e eu, flamenguista apaixonada e declarada Ele quer ouvir música ambiente e eu dançar até dar bolhas nos pés por conta do salto alto. 

Mas sabe que apesar disso tudo, a gente consegue dar certo? Não sei explicar direito como funciona. Mas logo eu, que sempre tive a língua bem afiada -  meu cérebro parece ser desconectado da língua, quando fui ver, já dei um carrinho em alguém - aprendi a ceder e muitas vezes, me calar. Ele que sempre foi muito cheio de se achar o certo em qualquer ocasião aprendeu a pedir desculpas e dizer que tá errado. 

A gente aprendeu a remar junto, entende? Qualquer barco a remo, remado por duas pessoas precisa ter sincronia. Se um rema mais rápido, o outro precisa seguir o ritmo. Se já tá demais, os dois precisam ir mais devagar. A direção do remo também precisa ser a mesma, se não só se navega em círculos e não se chega a lugar nenhum.

E foi exatamente remando assim, aprendendo um o ritmo do outro, que a gente aprendeu a achar nossas coincidências ou a experimentar. Eu não jogava xadrez há anos, mas ele ama. Nossas noites chuvosas em casa agora são em preto e branco, mas só no tabuleiro. O jogo que tem tudo pra ser chato se tornou nosso passatempo favorito. A pinga que ele tanto gosta, de vez em quando é trocada pelo meu José (O Cuervo mesmo) e ir no cinema se tornou tão comum, que somos capazes de dizer até quais são os próximos lançamentos.

Com ele descubro todo dia um novo jeito de ser feliz com as coisas simples. É com uma caminhada no fim da tarde, ou um lanche feito em casa num sábado à noite. São os doces de leite que ele me dá de presente (eu amo!) e a nossa risada depois de piadas que só tem graça pra nós dois. É o galho da árvore balançado depois da chuva e os abraços de despedida no portão. São tantas coisas rotineiras, que nem acredito que contribuam tanto para nossa felicidade.


Não sei como o meu riso se tornou tão fácil e nem sei como o nosso barquinho tem ido tão longe com tantas diferenças. A gente sempre precisa dar uma corrigida no ritmo para continuar remando junto. Não é moleza, mas vale a pena o esforço. Só sei que Caio Fernando Abreu tinha razão sobre barcos a remo, sabe? Por ele vale a pena. Por nós vale a pena. Remar, re-amar, amar.



Thalyne Carneiro